O Caminho é lendário
Se perde na noite escura
Do eterno imaginário
Onde tudo se estrutura
O arquétipo necessário
A essência da cultura
Se o Caminho imita a vida
A vida imita o Caminho
Justo na mesma medida
Como o cálice e o vinho
O Oriente como partida
Um perfeito pergaminho
Do começo ao fim
É difícil de entender
O não se faz sim
Nesse novo amanhecer
A todo instante é assim
Surge um outro você
Começa no primeiro passo
De um dia qualquer
Se pensa que é de aço
Não se imagina o que é
E quando bate o cansaço
O que sobra vai na fé
De cara revela um segredo
O peso que se carrega
Pois esse é o degredo
Daquilo que não agrega
Isso é o que mete medo
Na hora do desapega
Se fala muito em mapa
Altitude, albergue e rota
O sentimento de cada
Cajado, roupa e bota
Credencial carimbada
Cada etapa uma nota
E todos os caminhos levam
Ao fim da constelação
Mas poucos nem entenderam
O significado do cão
Quando estrelas desceram
Em correta indicação
Fiz o Caminho Francês
Sempre o mais cogitado
É o caminho da vez
De qualquer iniciado
Segui o quarenta e dois
O paralelo estudado
Comecei lá pela França
Atravessei os Pireneus
Parecia uma criança
Desafiei os filhos meus
A mulher em confiança
Acreditou pedindo a Deus
Ao chegar na Espanha
Pensei logo em voltar
Doía toda minha banha
Do pescoço ao calcanhar
Eu que não tinha a manha
Deitei e cadê levantar!?
Perdido em pensamento
Naquilo que prometi
Analisei o momento
E tudo que já vivi
Não caí em desalento
As dores logo bani
De seta em seta amarela
Marchava rompendo chão
Feito uma sentinela
A lida cobrando perdão
E eu que tinha pecado
Pedia em comunhão
Cantei o que não sabia
Samba, brega e lambada
Fiz verso e até cantoria
Repente de improvisada
O povo todo sorria
Não entendia a toada
Entrei em templos mil
Era muita lenda contada
Até esqueci o Brasil
Com tanta coisa mostrada
Joguei fora o Doril
E no mato também pomada
O Caminho era hilario
Aberto diante de mim
Incorporei um templario
Quando ainda era assim
Estava no santuario
De uma noite sem fim
O olho que tudo vê
Muito presente no altar
Entre outros a esconder
O simbólico que sempre há
Um sinal de não esquecer
Que um sábio esteve lá
Digo que fui ligeiro
Não pense que é piada
Fez parte do meu roteiro
E da jornada gozada
As férias por inteiro
Na base do tudo ou nada
Calculei bem diferente
Me pegava a matutar
O risco do inconsistente
E se o tempo extrapolar?
Eu sem estar no batente
Mas na Europa a andar
Pensava em tudo na vida
Passado-presente-futuro
Causa já esquecida
Num planeta mais puro
Em coisa nunca vivida
E os fantasmas do escuro
Até parecia um menino
No meu Icó do passado
Andando em desatino
Com meu coração alado
Mas quis o tal destino
O encontro com o sagrado
Fui sempre nessa pisada
No silêncio me ouvia
No barulho dava risada
E fazia que esquecia
Da mais recente topada
Que também já nem sentia
Sem falar na amizade
Daqui e d’além mar
Coisa que dá saudade
A começar do Ceará
Quase uma infinidade
Que não há como contar
Somando pouco a pouco
Já passava de milhão
De todo canto um louco
Que seguia em devoção
Eu me fazia de mouco
Pois línguas não falo não
Foram vinte seis dias
Sempre subindo e descendo
Entre estradas e vias
E a vida acontecendo
Sem esquecer nossos guias
Que estão tudo fazendo
Não tardou a indagação
Se ironicamente encontrei
Da vida a solução
E esperto rechacei
Nunca tive perdição
O que queria confirmei
Encerro aqui meu cordel
Falando de um Caminho
Que se faz olhando o céu
Junto de alguém ou sozinho
Com tinta amarela e pincel
Ultreya, suseya e carinho
*Esse Cordel (composto de 26 estrofes: sextilhas) é para registrar a peregrinação do Caminho de Santiago de Compostela, feito pelo autor entre 17/05/2015 (saída de Saint Jean Pied de Port) a 11/06/2015 (chegada a Santiago de Compostela), durante 26 dias de caminhada.
**O autor é natural de Icó-CE, Representante Regional (CE) da AACS-BRASIL, e, Acadêmico da APL, Cadeira n° 22.