Caminho do Sol – 14 a 24 de Julho de 2004
Caminhada de comemoração do 2° aniversário do Caminho do Sol
Diário de Viagem de Lili Joppert
Dia 13 de Julho – Santana do Parnaíba
Cheguei a Santana do Parnaíba às 9,30 da manhã, chegada direto de Miami nos Estados Unidos para SP. Como “quem tem padrinho peregrino não morre pagão”, meu filho torto paulista, que ganhei na Catedral de Santiago, me levou de carro até lá com toda a minha bagagem, que não era pouca. Chegando ao albergue 1896, fui muito bem recebida pelo hospitaleiro Emanuel. Lá já encontrei os deficientes visuais João Luis e Gilmar que iriam participar da caminhada. Fui convidada a me sentar para tomar o café da manhã com eles. Como fui uma das primeiras a chegar, pude escolher o melhor quarto para ficar, o que me permitiu me instalar, no andar de cima. Pura sorte. O albergue, fica numa construção antiga, é rústico e muito simpático com um pátio interno com mesas e cadeiras e até piscina tem, mas devido ao frio, ninguém se atreveu
A minha bagagem escandalizou Emanuel, que não sabia o que fazer com ela, afinal estava habituado a ver os peregrinos chegarem com uma simples mochila. Levei apenas a mala de mão para cima e o resto da bagagem ele colocou num canto da sala. Estava esperando encontrar a minha mochila que tinha sido despachada anteriormente, do Rio para o Palma. Porém fui avisada de que ela só chegaria à noite. Tomei um banho relaxante e saí para conhecer a cidade que é toda de casas coloniais cuidadosamente preservadas. Foi fundada em 1580 por Dona Suzana Dias e seu filho, por ter localização estratégica para a saída dos bandeirantes em direção aos sertões de Goiás, Mato grosso e Minas Gerais. Santana do Parnaíba passou à condição de vila em 1625, e em 1906 à de cidade.
Visitei o pequeno casarão do séc. XVII, o Museu Anhangüera, onde o bandeirante morou. Pude ver muitas peças antigas, como mesas, catres (camas), arcas, peças de cozinha, esculturas e formas de tijolos tudo muito bem cuidado. A responsável por ele me serviu de guia contando todas as histórias das peças e da casa.
Depois fui a Matriz de Santana (última edificação datada de 1892),onde notei uma curiosa imagem de um santo com uma cesta com dois pombos nas mãos, Pergutei na sacristia e me disseram que era São Joaquim, pai de Santana.
Andando ao léu entrei num antiquário com peças bastante curiosas e ecléticas. De papo com o dono perguntei por um bom restaurante com saladas e algo leve. Indicou-me o Gordo Diet. À sua procura conheci o casal peregrino Célia e Araldo, que estava no Gordo errado, um bar. Seguimos juntos para a quilo. Voltei ao albergue vagarosamente fazendo fotos cada vez mais lindas e muito coloridas dos bem conservados casarios. Passei pela padaria mais antiga do lugar e comprei os 2 quilos de mantimentos para serem doados a uma instituição. Na verdade, comprei bem mais para cobrir o pessoal que ia chegar mais tarde
O pessoal estava começando a lotar o refúgio. Laércio (daqui em diante Lalá) chegou com a mulher e filhas, que vistoriaram todo o local para saber onde o papai ia dormir. Uma delas quis até ficar, mas foi convencida a não o fazer. Chegou Ana, a Vó, assim conhecida por sempre fazer o Caminho do Sol com o neto, mas que dessa vez, a quarta (acho), não pode vir. O Perna Elétrica, Maciel, amputado das duas pernas por causa de um acidente de carro em 2000. Três escoteiros de Águas de São Pedro (Rui, Vivi e Taio). Mãe e filha Hisa e Marcela, Bia, e Célia dividimos o mesmo quarto. O resto do pessoal apresentarei aos poucos. Gustavo, meu marido, Clinete e Lolita, grandes amigas, todos do Rio só chegarão daqui a tres dias para fazer uma semana de caminhada.
Com o fim da tarde veio o frio levando todos nós a nos agasalharmos. Albergue lotado. Finalmente lá pelas oito chegou o Palma com minha bendita mochila. Pinhões foram assados e e comidos em volta da mesa num agradável bate papo. Saquei da mochila uma balança de mão e foi aquele rebú, todos quiseriam saber quanto suas mochilas pesavam. Embora muitos com sobrepeso, poucos tiraram coisas dela para aliviar a carga. Demos boas gargalhadas ao descobrir quanta coisa inútil havia nelas. Hisa rapidamente se livrou do exagero de calças e camisetas. No final acabamos sabendo que haveria apoio e deixamos de nos preocupar com os quilos a mais. Mas foi bom, pois aqueles que pretendem fazer o Caminho de Santiago, puderam ver onde diminuir o peso da mochila.
Quando mostrei meu livro, várias pessoas se interessaram e o compraram. Fiz uma permuta: um livro por uma diária. Emanuel gostou da idéia. Que bom que o Palma disse para eu levar os livros. Ele colocou minhas malas no seu carro e só seriam resgatadas em Águas de São Pedro.
Uma pizza comunitária e refrigerantes foram nossa refeição noturna. Palma nos alertou para estarmos prontos às 6 da manhã pois seríamos filmados para o Bom dia Brasil da Globo. Para dormir coloquei meus tampões de ouvidos, máscara e apaguei rápido devido ao cansaço e a diferença de fuso horário.
1° dia de caminhada – Santana do Parnaíba – Pirapora do Bom Jesus- 11,5 km. (Pessoalmente acho que foi mais um pouco) – 14 de julho 2004
Durante a madrugada, de lanterninha na mão me levantei cuidadosamente para não incomodar ninguém, mas não podia imaginar a armadilha que Célia havia preparado. Com passos pequenos e iluminando o chão para não pisar ou tropeçar em ninguém, quase fui nocauteada por uma mochila pendurada no alto do Beliche. Meia tonta fui ao banheiro e encontrei mais dois colchões habitados no chão do hall. Será que andei roncando?
Acordei as 5,30 com o barulho, apesar dos tampões. A sessão arrumação começou cedo por causa da filmagem da Globo. Botei a melhor roupa peregrina qua tinha, o que foi difícil, pois todas estão bastante usadas, uma pinturinha básica e depois de um café com bolo e pão, fomos todos para a frente da igreja. Não tinha ainda clareado o dia quando começou a entrevista. Os deficientes foram os mais requisitados e nós ficamos de pano de fundo. Liguei para Pedrinho para que gravasse a nossa aparição, mas ele estava tão bêbado de sono que não entendeu nada e voltou a dormir.
Voltamos ao 1896 para fazer hora, pois a prefeitura iria nos oferecer um outro café da manhã, também com cobertura da imprensa (SBT, jornais de Alphaville, de São Paulo). Na hora marcada estávamos todos lá e depois de outro farto café nos reunimos na praça em frente, junto a um lindo coreto onde de mãos dadas fizemos uma oração. Sob as palmas dos moradores, por volta das 9 horas, saímos em direção de Pirapora.
Saí guiando um dos deficientes, o João Luis, e tive a péssima idéia de descer por uma escada, em vez de andar um pouco mais e descer uma rampa que seria mais seguro. Resultado: os degraus eram muito estreitos e quase jogo o ceguinho escada abaixo. Coisas de quem não tem prática em ser guia. Na próxima vez seria mais cuidadosa. Mas não houve próxima vez porque ele andava tão rápido que nunca mais consegui acompanhá-lo.
O caminho era todo beirando a estrada, com a vista do rio Tietê cheio de espuma branca do nosso lado esquerdo. Depois de cada curva tinha um carro de reportagem para nos fotografar e fazer perguntas.
Com uma hora e meia de caminhada resolvi dar uma parada para tirar as botas e colocar os pés no sol e meias para secar. Parei ao lado da Mineradora Paranapanema, numa parada coberta de ônibus, onde vários peregrinos descansavam. Cari, a baiana, constatava o aparecimento de duas bolhas. Começou o serviço para mim, pensei! Saquei meu kit-bolha da mochila e com toda delicadeza possível, as costurei. Já ia me retirando quando vi o Felipe também descalço, desconsolado com mais duas. Remendei a primeira e deixei a segunda para ele treinar, afinal, quem quer ir a Santiago tem que saber fazê-lo. Aproveitei a parada e fui ao banheiro na mineradora, e na saída estava sozinha. Adiantei o passo e logo encostei em Solange (Sol). Andamos algum tempo sem ver setas, o que me angustiou. Um pouco mais a frente Rô (namorada do Palma) me alcançou. Estava só. Apostei com ela que o Palma tinha voltado para pegar o carro e nos encontrar em Pirapora.
Ela deu uma risadinha. Mais uma meia hora depois, o Palma nos alcançou. Que mico!!! Virei -me e contei como tinha falado mal dele. Pedi desculpas e rimos muito. Tinha ficado para trás dando entrevistas. Quase chegando a Pirapora, saímos a esquerda e pegamos uma estradinha de terra subindo bastante. Chegamos a um cruzeiro de onde tivemos uma vista panorâmica da cidade. Fizemos algumas fotos e começamos a descer. Cruzamos a estrada de novo e entramos na cidade. Passamos em frente da Igreja do Bom Jesus, que é famosa pelas muitas peregrinações. Esquecida encostada na parede, estava uma cruz de algum pagador de promessas. Fui direto a ela para fazer uma foto carregando-a. Palma se encarregou de documentar. Era muito pesada e segurei-a por apenas alguns segundos. Nossa! Como pode alguém aguentá-la?
Dirigimo-nos a Pousada Casarão, que a essas alturas estava lotada. Márcio, o hospitaleiro, mandou-nos e aos retardatários para uma outra em frente, que era bem ruinzinha. Banho tomado e roupa lavada, voltei ao casarão para o almoço tardio juntamente com a turma dos atrasados, Felipe, Cari, Virgílio que tem 82 anos e fez o caminho diversas vezes. Ao final saí com Felipe e fomos comprar frutas e algum belisco. Voltamos ao ponto marcado às quatro, para uma visita em grupo ao seminário da cidade.
Um Padre nos recebeu com muita simpatia e contou histórias do seminário belga enquanto nos guiava por seus corredores. Levou-nos a igreja, toda entalhada em madeira natural, desde o púlpito, confessionário, passando pelo altar e o coro. São peças num belíssimo estilo gótico, só visto em catedrais na Europa. Obras de arte feitas artezanalmente por padre José, que ali passou sua vida. Um museu também faz parte do seminário, com peças bastante interessantes e diversas.
Terminada a visita, Lipi e eu fomos até a igreja do Bom Jesus para conhecê-la por dentro. Fiz uma linda foto com um raio de luz solar exatamente sobre o peito de Jesus. Dali fui comprar alfinetes de segurança, uma caneta e um bloco para fazer minhas anotações, pois tinha esquecido de levar. Combinamos voltar para a missa das 7 hrs. Passamos pela farmácia para Lipi comprar absorventes para forrar os pés e sofrer menos com as bolhas. Parei na praça em frente e, comecei minhas anotações, até minha atenção ser chamada de volta a igreja pelas badaladas do sino, nos chamando para a missa. O jantar estava muito gostoso, porém o frango era aleijado (não tem peito, só coxa e ante-coxa). O frio aumentou muito com o anoitecer e não restou outra alternativa senão voltar a pensão para dormir. Chegando ao quarto que dividia com Cari, encontrei-a tossindo demais entre sprays da bombinha de asma. Para que ela e eu ficássemos mais à vontade arrastei minhas coisas para um quarto vazio ao lado, não sem antes pedir que me acordasse às seis. Notei que os lençóis não estavam limpos, por isso dormi em meu saco de dormir. Uma festa rolava na praça e fui obrigada a colocar os tampões de ouvidos.
2º dia de caminhada – 24 km – Pirapora de bom Jesus – Cabreúva
Depois de um farto café da manhã, por volta das 7 horas, segui em direção do camping de Cabreúva. Na saída da cidade atravessei o Rio Tietê, que continuava cheio de espuma, parando no Portal do Peregrino, de onde se tem uma vista linda da pequena cidade. Na minha frente ia o Maciel perna elétrica, guiando o cego Gilmar. O caminho continuava sendo todo pela estrada, além de desta vez ser de muita subida. Depois de uma hora de aclive, meus pés começaram a incomodar, levando-me a sentar em uns troncos a beira da estrada, onde estavam Maciel e Gilmar. Comentei que iria colocar um Micropore (esparadrapo de papel) nos dedinhos, para protegê-los. Maciel, gaiatamente responde:
-Acho que estou com uma bolha no dedão, me empresta um pouco?
-Claro, passando-lhe o esparadrapo sem pestanejar!
Maciel caiu na gargalhada apontando para as próteses. Só então, me dei conta do meu desligamento e da falta de seus pés. Comecei a rir com ele. Que cabeça boa a dele, faz piada dele mesmo.
Ao me levantar e olhar para trás, notei que estava no alto de um dos muitos morros do dia e tinha uma vista esplendorosa, de nuvens cobrindo os morros mais abaixo de nós. E tome subida e descida, sendo que algumas vezes sem acostamento. Depois de 16 quilômetros cheguei a Bananal, cidadezinha de uma rua, mas que tem um bar e um supermercado um ao lado do outro. Baixei a mochila, tirei as botas e fui comprar frutas. Rui estava comigo assim como Felipe. Instalei-me numa desses conjuntos de mesa e cadeiras de plástico e coloquei os pés para cima. Sorvi uma Coca Cola supergelada brincando com os cães que estavam por perto. A Vó apareceu com a Solange e tomaram uma cerveja. Parada longa, mas ninguém estava com pressa. Fazia um pouco de calor quando nos levantamos. Estava um dia muito agradável para andar.
Vó estava um charme, com seu chapéu de palha, guarda-chuva verde e duas mochilas penduradas. Uma na frente, pequena, e uma maior nas costas. A foto ficou pitoresca. Muito sobe e desce e paradas para pipis rápidos em banheiros improvisados, pois podíamos ser surpreendidos por carros que passavam a toda hora.
Estávamos todos quase juntos quando chegamos a uma barraca onde se vendia mel, menos a Vó, que fazia questão de ficar sempre por último. O grupo resolveu comprar própolis para a Cari, pois sua tosse piorava a olhos vistos.
O cansaço começou a tomar conta do corpo, Felipe apareceu com mais uma bolha. Fizemos mais uma parada na entrada da Pousada Colina Camping para cuidar dela. Faltava só um quilômetro, porém de uma subida íngreme e interminável. Fazer parte do grupo dos últimos se tornava uma constante, porque indo devagar, não fazia bolhas. Mas a Vó mantinha sempre uma pequena distância atrás de mim
Às 15,30 horas, de língua de fora, cheguei a um alojamento com chalés e a seu restaurante. Havia muita gente do grupo que já estava acabando de almoçar. Ofereceram-me massagem, o que prontamente aceitei. Pedi para ir para o chalé, instalar-me e tomar um banho primeiro. Não Acreditei!!! Fiquei no último deles, no ponto mais alto e distante da recepção. Não só tive que carregar minha mochila, como a malinha que tinha despachado no apoio do Beto. Pelo menos consegui um quarto só para mim, pois não havia concorrentes naquele fim de mundo. No nosso chalé estavam, Hisa, a filha, Felipe e Cari. Encontrei-a muito mal. A tosse havia piorado e a asma aumentado.
Desci correndo e pedi auxílio a Márcia, dona do lugar, para levá-la ao hospital. Logo a acudiram. Lavei toda a roupa pois o serviço de meteorologia anunciava chuva para o dia seguinte. O frio aumentava muito assim que começava a escurecer. Um diácono rezou uma missa em intenção de Cari ao ar livre, por pouco não congelei. No meio da missa ela chegou do hospital e parecia melhor, e tossia menos. Rui, o nosso palhaço de plantão, espalhou que a missa era de corpo presente. O jantar foi farto e delicioso. O frio era tanto que voltei logo para me enfiar no saco de dormir. Pus a roupa para secar dentro do quarto, mas não adiantou.
3° dia de Caminhada – 26 km – Cabreúva – Fazenda Cana Verde (Itú)
Acordamos às 6 da manhã e a roupa que estava encharcada, foi necessário pendurá-la com alfinetes de segurança pelo lado de fora da mochila para tentar secá-las durante a caminhada. Arrastei todo o material até o restaurante e delicie-me com suco natural de laranja, bolos e pães caseiros. Cari, meio contra vontade, foi convencida a ir no carro de apoio com Beto até o próximo pouso.
Saí com o último grupo, entre eles Virgílio (82), Rui, Lalá e Vivi (do grupo de escoteiros de Águas de S. Pedro). Subimos uma encosta super íngreme, nos fundos da pousada. Pela primeira vez uma linda trilha arborizada. Depois de uma meia hora subindo abriu-se uma linda vista da cidade de Cabreúva (?) onde todos pararam para tirar fotos. Exatamente ali existia uma seta indicando um desvio à direita, que ninguém viu por estar apreciando a paisagem. Continuamos subindo, e reentramos no bosque e começamos a descer acentuadamente. Depois de uns 15 minutos, Lalá e Virgílio que já tinham feito o caminho anteriormente, não reconheram mais o terreno, notei que tínhamos feito uma curva e estávamos voltando ao camping. O nervosismo aflorou e começamos a gritar por socorro. Vozes nos responderam, eram Célia e Araldo também perdidos. Para nosso desespero resolvemos tornar a subir todo o morro, que estava bastante escorregadio por causa da chuva.
Quando estávamos voltando, apareceu Márcia a hospitaleira para nos resgatar. Ela se embrenhou no bosque para achar uma saída, porém desistiu e nos levou de volta até a célebre seta que nenhum de nós viu. Dali seguiu conosco até o alto do morro cruzando um pasto, descendo até uma estrada asfaltada onde se despediu. Contou que um grupo de espanhóis também tinha se perdido neste ponto uns meses antes.
Andamos pelo asfalto por muito pouco tempo até entrarmos em outra estrada de terra. O grupo ia rindo dos maus momentos que havíamos passado quando passamos por uma placa curiosa “QUARQUÉ CAMINHO SAI NA VENDA À 5 KM”. Era o sinal que estávamos chegando ao Armazém do Limoeiro, ponto de parada obrigatória para um famoso sanduba de mortadela. Era um daqueles armazéns de interior, com balcão de madeira, cheio de potes de doces para vender. Pertencia aos donos da fazenda que nos receberam de braços abertos. A turma toda estava lá, até a Vó. Tirei minhas botas, e em vez do sanduíche comi alguma coisa de ricota que estava ótima, de sobremesa uma Maria Mole, coisa que não saboreava desde os tempos de criança. Ali cantamos o hino do Caminho do Sol, o que nos emocionou bastante. Enchi as garrafinhas de água pois não haveria mais bares até Cana Verde. Deixei uma mensagem em seu livro e segui com o Rui para a segunda etapa do dia. A Vó, como sempre, deu um jeitinho de ficar ainda se arrumando com a Sol.
A manhã estava fresca e o tempo abria e fechava, o que tornou tudo mais fácil. A paisagem mudou. Pastos enormes cobertos de pedras de todos os tamanhos. Não sei como o gado achava alguma coisa para comer.
– Você viu a cobra? Perguntou Rui apontando para a beira da estrada.
– Não, mas ouvi um barulho estranho!
– É o chocalho da cascavel. Ela entrou no mato.
Confesso que me assustei, tenho pavor de cobras e só agora fui avisada que os canaviais eram seu habitat predileto.
Um pouco à frente demos com uma bifurcação sem sinalização. Bem no meio dela um bêbado jogado no chão falava coisas desconexas. Rui e eu nos entreolhamos e chegamos a conclusão que não adiantaria pedir informações. Decidimos ir pela direita pois podíamos avistar algumas casas para perguntar. Opção errada. Votamos a bifurcação.
Um pouco mais a frente, bois e vacas silenciosos nos acompamhavam com o olhar. Chegamos a um portão suntuoso de uma fazenda. Com sede, nos aproximamos e pedimos água aos seguranças no que fomos atendidos com simpatia. Do lado de fora do portão um matinho verdinho me convidava a sentar. Aceitei o convite e tirei as botas de novo. Um pouco depois apareceu a Vó com a Sol, tambem pedindo por um descanso. Jogamo-nos pelo chão usando a mochila como travesseiro. Comentamos as gargalhadas, que nós parecíamos um bando de sem-terra esperando o momento de invadir a fazenda. Carros de segurança circulavam no meio do nada. Descobrimos se tratar da fazenda de Olavo Setubal, um milionário dono do Banco Itaú. Estava explicado.
Depois de alguns quilômetros e muita cantoria a quatro, chegamos a Fazenda Cana Verde. A visão da chegada é de uma linda fazenda, bastante antiga e tradicional. Uma das atividades é a criação de cavalos para prática de Polo.
Quando nos mandaram para o alojamento, uma casinha um pouco abaixo da sede, me assustei com a precariedade do local. Mas para a minha sorte, Cari, que tinha ido de carro, guardou um lugar para Vó e para mim num alojamento um pouco mais caro, mas bem melhor. De banho tomado voltei a sede para comer alguma coisa. Tinha perdido o almoço, mas comi uns bons pedaços de queijo de minas fresquíssimo. Pela primeira vez encontrei um vinho chileno e entre um gole e outro costurei bolhas, não me lembro de quem. Carlos, Araldo, Célia, Lalá e eu tomamos umas tres garrafas de vinho, que rapidamente subiram devido ao meu jejum. Piadas e gostosas risadas animaram e alegraram a sala.
Para o Jantar, vaca atolada. Não acredito, ela vem me perseguindo desde o Caminho das Missões. É um prato de carne com osso cozido com aipim. Muita gente amou, mas eu…. Pedi um ovo frito, que gentilmene foi feito especialmente para mim. Mais uma vez o telefone tocou atrás da Bia. Nossa, esssas filhas não desgrudam! Foi uma vaia só.
Altas conversas, fotos, brindes com o pessoal da fazenda foram a tônica da noite. O frio apertou e voltei ao quarto para dormir. Maciel tinha tirado as pernas e as deixado bem no meio da sala por onde eu tinha que passar para chegar ao quarto. Mais uma armadilha que quase me levou ao chão. Fiz uma foto e pedi-lhe que as pusesse mais no canto, para que na minha ida noturna ao banheiro, só com a luz da lanterninha, não corresse o risco de me estabacar.
Vó roncou um pouquinho e parece que eu também.
4º dia de caminhada – 15 km – Fazenda Cana Verde – Fazenda Vesúvio (Salto)
A caminhada do dia era leve, apenas 15 quilômetros, além disso o tempo estava feio com muitas nuvens no céu. Dia frio, perfeito para andar desde que não chovesse. Estava ansiosa Gustavo chegaria essa noite, junto com Lolita e Clinete.
A saída foi por volta das 8 horas e algumas pessoas, entre elas a Vó, ficou para trás para ver uma partida de polo. Saí com Rui e Vivi. Gilmar acompanhado de Cari logo nos alcançou. Vínhamos bem devagar olhando algumas pedras bonitas pelo chão. De repente um brilho forte me chamou atenção, abaixei e peguei a minha primeira pedra, de muitas que fui colecionando pelo caminho. Parecia de aço, com um lindo brilho prateado. Dali em diante passei a andar mais olhando para o chão do que para a paisagem. Encontrei uma pedra azul, muito azul. Vivi e eu ficamos dando tratos a bola do que seria. Peguei uma parte dela e Vivi a outra. Chegamos ao Rui que sentenciou:
– Isso é plástico!
Embora fosse leve e estranha, parecia pedra. Não aceitamos sua explicação e até hoje não descobri do que se trata.
Alguns quilômetros à frente, bem no meio da estrada de terra, deparamo-nos com um esqueleto completo e ondulado de cobra, junto com a sua pele seca. Nunca havia visto! Observei cuidadosamente. Tive vontade de carregar, mas desisti diante do meu pavor a espécie.
Atravessamos o Rio Jundiaí e entramos na cidade de Salto e conforme indicações, atravessamos a cidade pela rua Japão, onde esperava encontrar um bar para uma parada. Nenhum. Encontramos Felipe, de sandálias, procurando uma farmácia para comprar absorventes noturnos para acolchoar os pés cheios de bolhas. Na saída da cidade, cruzamos a estrada por sobre um viaduto. Do outro lado, uma jornalista nos esperava para fazer fotos para o jornal de Salto. Por onde passávamos éramos notícia. Neste momento um cãozinho viralata começou a me seguir. A jornalista aproveitou-se do momento e fez uma bela foto, eu acho. Pedi que me fotografasse de novo, só que com minha câmera, ela o fez de bom grado. Andamos mais um pouco pelo asfalto e apareceu o portal da Fazenda Vesúvio a nossa esquerda. Passamos por uma longa alameda com lindas árvores. O refúgio nunca aparecia. A sensação é que estávamos num novo loteamento com um grande portal a esquerda e cheio de terrenos vazios.
O cãozinho continuava me acompanhando, quando finalmente chegamos ao final da rua e pudemos ver um grande galpão. Era bem amplo com uma pilha de colchões no centro. Cada um pegou o seu e encostou numa parede. Dei sorte, pois apanhei um de casal. Que bom!! Ia poder dormir abraçadinha ao Gustavo. Peguei mais dois, para a Lolita e Clinete. O banheiro tinha cortinas plásticas muito curtas fechando privadas e chuveiros. Mais uma vez dei sorte, pois a turma já tinha tomado banho e ele estava vazio, dando-me um pouco de privacidade. Lavei apenas as peças pequenas de roupa e fui almoçar.
Havia gente com muitas bolhas e por isso começaram as desistências, duas no Vesúvio. Costurei tantas em uma moça que seus pés pareciam um avesso de tapeçaria de tantos fiapos. No final da tarde, notamos que Vó ainda não tinha chegado. Começamos a perturbar o Beto para sair em seu encalço. Ele não parecia nada preocupado, chegamos a pensar que estava fazendo pouco caso da falta da Vó.
Falei com Gustavo pelo celular e eles estavam em Campinas. Pedi para comprarem um vinho para o jantar de gala à noite. Adriana, a dona da fazenda, estava por lá e deu a maior força para organizarmos um jantar de recepção para a turma que estava para chegar. No menu, strogonoff, um luxo. Lembrei-me da oração do peregrino que havia levado e pedi a Adriana para irmos até sua casa para fazermos algumas cópias para rezá-la em conjunto antes da refeição. Depois de muita insistência, Beto, contra vontade, saiu a procura da Vó, e a encontrou na entrada da fazenda. Deu uma bronca nele e o mandou de volta. Beto chegou resmungando:
-” Tá vendo! Ela sempre faz isso. Tinha certeza de que estava tudo bem, vocês é que são preocupados demais.”
Enquanto eu estava fora, Lalá, Rui, Carlos, Virgilio, Sol, Bia, Bruna e João Paulo começaram a montar o “Cafôfo” (um ninho de amor) para Gustavo e eu. No centro do enorme galpão levantaram quatro paredes com colchões, forraram o chão com dois e fizeram uma cobertura com outros dois. A casinha estava montada quando cheguei. Isso era apenas o começo. A decoração sim, ficou uma beleza, digna de um motel 5 estrelas. Arranjo de flores, velas perfumadas, rolos de papel higiênico, o guarda-chuva da Vó com calcinhas e soutiens pendurados parecia uma árvore de natal. Acreditem, até camisinha e Viagra tinha oferecido por um peregrino. Quase morri de tanto rir, nunca vi tanta criatividade com tão pouco.
O horário programado para a chegada era oito da noite. Quase nove e nada do Gustavo chegar. O Jantar estava servido e o pessoal esfomeado estava hipnotizado pelo cheiro da comida. Passava das nove quando o trio chegou. Tudo no escuro e fechado. Quando as portas se abriram, as luzes foram acesas e eles entraram por um corredor de gente com os braços elevados formando um túnel. Foi emocionante.
Pela primeira vez, formamos uma enorme mesa quadrada tornando o jantar uma enorme confraternização. Fizemos nossa oração e em seguida, as garrafas de vinho foram abertas e o jantar liberado. Muitos brindes e piadas. Até Seu Kenji, um senhor japonês de uns oitenta anos, sério calmíssimo e de voz baixa e pausada, depois de uns vinhos se levantou e contou a sua.
Na hora de dormir, Gustavo declinou do lindo “Cafôfo” achando que ia se sentir claustrófobo e voltou ao nosso colchão de casal que estava anteriormente reservado. Foi aí que o pessoal notou que nosso saco de dormir fora unido por zipper e havia sido transformado em super saco de casal. Foram feitas muitas fotos da raridade. Com medo dos roncos, coloquei os tampões de ouvido. Dizem que a sinfonia foi das boas.
5º dia de Caminhada – Fazenda Vesúvio – Elias Fausto – 23 km
Passei muito frio durante a noite, embora tenha dormido juntinho do Gustavo. Num canto do galpão, um ronco se destacou, embora ninguém tenha assumido a responsabilidade.
A chuva esperada por dois dias, ainda não tinha chegado. Saímos (os quatro peres do Rio) ainda com um pouco de sol, mas logo o tempo fechou e a temperatura ficou agradabilíssima para caminhar. Senti-me um pouquinho no Caminho de Santiago, quando logo na saída passamos por um pequeno parreiral, pena que estava tão sequinho e mirrado. Minha coleção de pedras começou a aumentar, com a facilidadede ter o Gustavo para carregar. Achei mais uma de metal e dei a Cli. Rui, brincalhão como sempre, ofereceu uma enorme pedra para a Vó levar de lembrança. Vó recebeu-a, olhou-a cuidadosamente como se pensasse o que ia fazer com ela, agradeceu e imediatamente jogou-a no chão ao seu lado e seguiu em frente. Rui fez cara de ofendido. Foi uma risada geral.
Clinete e Lolita avistaram um pé de tangerina e correram a catar uma para comer. Logo cuspiram-na fazendo caretas. Era na verdade um limão amarelo azedíssimo. Fiz muitas fotos de flores.
Bia, Cari, Araldo, Célia e Lipi se juntaram a nós. O grupo era coeso e alegre. Fizemos uma parada numa pequena vila, num gramado em frente a uma casa que tinha um lindo e florido ipê rosa, para tirar as botas e beber água. Beto passou de carro por nós e perguntou se precisávamos de apoio. Aproveitamos e pedimos que tirasse fotos do grupo. Deixando o povoado encontramos cabras amarradas pastando, não resisti e fui fazer festinha. Tirei uma foto do Gustavo fazendo o mesmo.
Próxima parada, no quilômetro 19, seria na fábrica de tomates, que segundo a Vó era imperdível. O pessoal de lá era o máximo e teríamos água e algo para comer. Passamos por alguns tomatais que não pareciam em boas condições. Quanta decepção!!! Ao chegarmos lá havia apenas uma construção abandonada sem uma alma viva por perto. A estas alturas estávamos quase sem água e com fome. Mesmo assim descansamos um pouco e seguimos adiante. A sinalização do dia estava boa e ninguém se perdeu.
Ao chegarmos em Elias Fausto, o céu estava carregado e prenuciava uma chuva forte. Mais uma vez dei de cara com um pessoal que tinha visto anteriormente chegando de carro. Eram os pais do Taio. Começou a gozação:
-Voces aqui de nooovvvoooo? Estão perseguindo o Taio? Deixa o pobrezinho ter um pouco de liberdade! Deixem ele aproveitar um pouco o caminho!
Foi uma risada só. Sentei-me a mesa com eles para uma cerveja e um bom papo. Os pais do Lipi também apareceram e levaram um bolo para o jantar. O almoço tinha acabado. Na verdade, ainda havia o que comer, mas decidi me fartar com várias fatias de melancia e jantar mais cedo.
O quarto do refúgio é muito apertado para o número de pessoas. Gustavo e eu preferimos optar por quarto privativo assim como Clinete e Lolita. Mais uma vez dei sorte, tomei meu banho logo antes da chuva chegar. O banheiro ficava fora do alojamento.
Descobri que Araldo e Célia faziam bodas de prata neste dia, então Lalá e eu decidimos fazer uma comemoração surpresa. Pedimos ao Lipi para usar o bolo dele e fomos de carona com seus pais tentar comprar champagne em algum bar no pequeno povoado. Por ser domingo, achei ser impossível. Mas como a esperança é a última que morre… fomos à luta! Na terceira ou quarta parada conseguimos 2 garrafas de espumante da pior qualidade. Mas o importante era ter com que comemorar. Voltamos felizes com nossa aquisição: o bolo e o espumante estavam garantidos.
Lalá, na surdina, avisou a todos para que fossem jantar na mesma hora e tornou a montar uma mesa enorme que desta vez tinha formato de “U”. Improvisou um coral, que ensaiou escondido, para fazer o fundo musical da comemoração.
A chuva começou a cair e todo mundo correu para recolher a roupa do varal. Quando fui pendurar a minha num puxadinho, dei de cara com o pai do Lipi fazendo o mesmo para o filho. Imagine só, um marmanjão daqueles precisando do Papi para botar os pregadores na roupa! O tempo esfriou bastante e acabou atrapalhando um pouco, porque a mesa ficava debaixo de um alpendre.
Na hora marcada, “por acaso”, chegaram todos ao mesmo tempo para o jantar. Na hora da sobremesa, ao som de musica ao vivo, entrei levando o bolo, fatiado e embrulhado em papel laminado numa bandeja com uma vela acesa espetadada entre os pedaços. Surpresos, emocionaram-se e cairam na maior choradeira. Depois do brinde, muitos cumprimentos. A festa foi um sucesso. Muitas fotos foram feitas, inclusive uma do Virgílio com uma ferradura natural pendurada na orelha e do Gilmar de chapéu de palha florido da Vó ambos estavam uma pândega.
O frio mais uma vez espantou a turma e todo mundo foi dormir cedo.
6º dia de caminhada – 21 km – Elias Fausto – Fazenda Milhã
Choveu a noite toda e assim continuou pela manhã, sem nenhuma intenção de melhorar. A grande maioria resolveu despachar as mochilas para não correr o risco de chegar com elas encharcadas no pouso seguinte. As roupas lavadas na véspera continuavam molhadas. Lolita estava usando a sua última muda de roupa limpa.
Vale aqui um parêntese, para falar um pouco da Lolita. Ela saiu do Rio, sem ter a mínima idéia para onde ia. Segundo ela o Caminho do sol, por causa de seu nome, deveria ser pela costa paulista. Veio porque Clinete e eu fizemos sua cabeça e ela gostou da idéia. Chegou se vangloriando, com uma mochilinha mínima e leve, sem ter idéia do que necessitaria. Até os documentos deixou em casa para ficar mais leve. Não vale rir!! É a pura verdade. Até a capa de chuva era uma daquelas de plástico transparente, fininha que se compra no camelô. Duas leggings no joelho e duas camisetas, quem podia imaginar que uma peregrina de Santiago faria tal bobagem.
Voltando a chuva… Todos sairam agasalhados e encapados para o café da manhâ. Quando vi a da Lolita, ofereci uma capa extra, tipo camelo que tinha trazido. Eu estava estreando um conjunto de calça e anorak que tinha trazido dos EUA. Cli e Gustavo também vestiam roupa completa. Confiantes de que nos manteríamos secos, saímos para mais um dia de caminhada.
Saindo da cidade dobrando a direita num posto de gasolina, entramos por um canavial. Chovia muito e por causa disso não havia onde parar e sentar para descansar. Alguns quilômetros à frente chegamos a uma casa colonial de janelas azuis que pertenceu a Assis Chateubriand. Em frente, havia um ponto de ônibus coberto, que nos deu abrigo para uma parada rápida. Clinete e eu fomos tirar fotos da casa, mas a máquina da Cli naufragou no aguaceiro e a minha, por uma sorte inexplicável conseguiu sair ilesa. Não havia nem como fazer xixi, pois não dava para tirar as calças sem se molhar.
Logo depois do descanso, Gustavo recolheu um galho do chão para fazê-lo de cajado, pois a terra estava escorregadia. Como o galho era pesado e estava enlameado, resolveu devolvê-lo ao chão. Depois pensou duas vezes e tornou a pegá-lo. Conseguiu tirar um pouco da lama depois de passar por uma enorme poça d´agua. Bendito sexto sentido!!!! Foi sua salvação para os atoleiros que nos aguardavam.
Dali em diante a paisagem era só o canavial, chuva, lama e um céu cinza escuro aterrador. Gustavo e eu começamos a nos distanciar de Cli e Lolita. A chuva de vento e o frio entravam por todos os poros. A água já tinha conseguido entrar por todos os cantinhos possíveis e escorrido por dentro da roupa. Só os pés continuavam secos. Fizemos nosso lanche andando, por não podermos nos sentar. As duas sumiram atrás de nós e ninguém à nossa frente. Disse a Gustavo que precisava parar, estava congelando, precisava pegar um agasalho na mini mochila. Passamos por uma placa que dava a quilometragem até a fazenda, mas não me lembro dos números. Parecia que faltava uma eternidade. Finalmente avistamos um galpão onde uns colonos estavam fazendo mudas para replantio não sei de que. Sentei ali, e queria desistir.
“- Daqui não saio, daqui ninguém me tira.”
Torcia para um carro passar, mas nada a vista. Cadê o apoio??? Onde é que o Beto se meteu. Pensando bem ele jamais conseguiria passar por este atoleiro. Gustavo me convenceu de que tínhamos que continuar, pois ia ser muito difícil alguém passar por aqui.
Respiramos fundo e seguimos em frente. Eram quilômetros de campos já ceifados de cana que davam um ar de devastação até onde a vista alcançava. Subidas e descidas enlameadas e intermináveis e eu estava congelando de novo. No meio do nada apareceu uma rotunda e uma placa de 5 km para a fazenda Milhã. Pelos meus equivocados cálculos, achava que deveria estar chegando. Novo desespero. Ao final de uma gradativa e longa subida, vimos um carro parado, que parecia abandonado. Mas dele alguém acenava para que nos aproximássemos.
– Ai que bom!!! Vou pedir carona. Arrego, Desisto!
– Mas agora falta pouco! Vamos em frente. Animava-me Gustavo.
Para nossa alegria era um empregado da fazenda a nos esperar com chá quentinho, uma maçã e um saquinho de balas. O chá nos deu novo ânimo. Como dali em diante parecia que era tudo descida, seguimos caminhando.
Um pouco a frente, a nossa esquerda, uma porteira indicava a entrada da fazenda Millã.
– Oba! Chegamos, pensei inocentemente.
A chuva continuava a cair sem pena de nós. A visão ao atravessarmos a porteira era aterradora, um interminável atoleiro, em descida, bastante inclinado para a esquerda. A sessão de patinação na lama estava começando. Gustavo agradecia a Santiago estar com o galho seco recolhido alguns quilômetros atrás. Era uma deslizada por segundo, pequenas torções no tornozelo, mas nada grave por estarmos de botas. Fizemos algumas paradas para avaliar qual seria o atoleiro menos pior para atravessarmos. Em alguns pontos a bota afundava quase que totalmente na lama.
A nossa esquerda parecia existir um rio, mas a vegetação não nos deixava ver direito. A sede da fazenda nunca chegava. Notei que estávamos fazendo uma grande curva e praticamente voltando ao ponto de partida. O local era todo arborizado, identificamos entre lindas árvores frondosas, pimenta-rosa e urucum. O local deveria ser lindo num dia de sol. Finalmente vimos o enorme lago ao qual estávamos circundando e podíamos ver do outro lado alguns peregrinos que estavam muito atrás de nós. Nenhum sinal de Lolita e Clinete.
Apesar de toda a minha roupa impermeável, estava molhada até os ossos, mas as botas, para minha surpresa, continuavam secas por dentro, embora por fora tivessem quilos de lama colados. Ao nos aproximarmos da sede, pudemos notar que não era um lago, mas sim uma represa. De uma das janelas do lindo casarão, Lalá nos indicou um sino de bronze que deveríamos badalar para avisar a nossa chegada.
Fomos carinhosamente recebidos por Dona Ondina, que pos um carro a disposição dos peregrinos para que pudéssemos chegar ao albergue que ficava a uns 200 ou 300 metros do casarão. A lama era tanta, que era impossível chegar a pé sem ficar imundo. As acomodações são boas com cobertas novas e coloridas nas camas. Como existiam pequenas casinhas de dois quartos, pouca coisa mais caras, Gustavo e eu fomos para uma delas, já contando com Cli e Lolita para ficarem no outro quarto.
Tomamos nosso banho e tiramos o grosso da lama das botas e da roupa. A casinha virou um imenso varal. Pegamos mais uma carona de carro e voltamos a sede para um almoço tardio. Depois do almoço com a turma, voltamos para a casa para descansar. Só então, Clinete e Lolita chegaram. Dois pintos molhados. Eu como tinha alguma roupa extra na maleta despachada, emprestei um par de meias e Gustavo um casaco para Lolita, que a essas alturas não tinha nem mais uma calcinha seca. Duas garrafas de vinho que haviam sobrado da noite anterior foram degustadas com alegria para nos esquentar. Sentamo-nos os quatro no quarto e batemos o maior papo, rindo das nossas desgraças.
Anoiteceu e mais uma vez voltamos a casa grande para o jantar onde fomos recebidos pelo prefeito de Capivari que nos saudou com um conjunto de música. Solange tomou conta do microfone e cantou a vontade. Palma, muito preocupado, apareceu com Rosana trazendo camisetas e meias secas para o pessoal. Fizemos muitas fotos. Alguns peregrinos estavam embrulhados em cobertores por causa do frio. Seu Kenji parou o caminho aqui por não ter mais o que vestir.
Soubemos que a chuva que pegamos tinha sido tão forte que saiu em todos os noticiários de TV e nós que raramente tínhamos sinal de celular, não conseguimos falar com nossas famílias.
O cansaço, que não era só físico desta vez, levou-nos cedo para a cama.
Fazenda Milhã – Mombuca 22 km – 7º dia de caminhada
Amanheceu chuviscando e com cara que ia continuar assim o dia todo. Nossa roupa continuava molhada. Vesti a mesma da véspera que estava enlameada, e poupei a outra muda para que a noite tivesse algo limpo para usar. Lolita não tinha mais o que vestir e calçar, assim como Cli que estava com as suas botas ainda úmidas embora tivesse colocado folhas de jornal dentro delas.
Na hora do café, Lalá disse que caminharia devagar comigo e Gustavo, e iria guiar o deficiente visual Gilmar (lembram-se dele? Aquele que andava tão depressa que nunca mais tinha cruzado com ele) que também estava disposto a não correr. Finalmente os tinha convencido que era bem mais divertido e menos cansativo andar devagar e aproveitar tudo que o caminho tinha a oferecer.
Clinete e Lolita foram de carona até Capivari para escapar do atoleiro. Saímos às 8 horas devidamente paramentados para chuva fina que caia. Continuamos escorregando pelo lamaçal, que desta vez, pelo menos, estava nivelado. Um pouco antes de entrarmos em Capivari encontramos o secretário de obras da cidade, que na véspera à noite, tinha estado conosco. Estava à beira da estrada, num pequeno terreno pronto para plantio, esperando nós peregrinos, para plantarmos mudas de girassóis. Apesar do terreno parecer de lama movediça, entramos todos para ter a honra de cada um plantar o seu girassol. Os pés afundavam na lama quase até o tornozelo, abrindo novas e profundas covas para as mudas. Notamos que as nossas eram as primeiras. Lalá estava encantado e recebeu a sua primeira lição.
– Viu Lalá ? Se tivesse saído de madrugada, não ia ter ninguém aqui e teria perdido a chance de plantar uma flor, bater um bom papo com o pessoal da terra e saber que havia na praça principal da cidade uma escultura de Tarsila do Amaral, que nasceu em Capivari.
Ao saírmos Araldo e Célia se aproximaram e cumpriram o mesmo ritual.
Ao chegarmos à cidade entramos numa loja de material religioso onde achei Táus (Cruz de S. Francisco de Assis) para vender. Comprei todas que havia (5) pensando em presenteá-las aos peregrinos de nosso grupo em alguma ocasião. Passamos pela praça onde fiz uma foto da escultura de Tarsila. Seguimos pela rua principal onde pudemos ver um variado comércio. Lalá comprou uma bermuda que mais tarde constatou ser pequena demais. Soube mais tarde que Lolita tinha feito uma festa com dinheiro emprestado da Clinete, pois nem cartão de crédito tinha levado. Comprou desde meias e calcinhas até um casaco bem ajeitadinho.
De repente um rapaz que nos chamou do outro lado da rua, para que tomássemos um café e visitássemos a casa de Cultura de Capivari. O prefeito nos recebeu calorosamente e mostrou com orgulho uma exposição de pinturas que ali estava acontecendo. Lalá apareceu com uma barba negra postiça e foi alvo de risadas e fotos. Onde ele andou mexendo para achá-la era uma incógnita. O prefeito nos avisou que havíamos tirado a foto da escultura errada, então voltamos a praça para desta vez fotografar a certa. Registrei também um Ipê rosa, no auge de sua exuberante floração rodeado por parte de suas flores no chão.
Seguimos em frente olhando vitrines até que resolvemos entrar em uma loja de esportes para ver medalhas. Lalá e eu cochichávamos para que o Gilmar não nos ouvisse. Resolvemos que os mais antigos peregrinos do Sol e os deficientes receberiam uma condecoração, afinal era a Caminhada comemorativa do segundo aniversário do Caminho do Sol. Despachamos Gustavo e Gilmar para o museu para podermos ficar mais à vontade na escolha dos dizeres a serem gravados. Voltamos a casa de Cultura e perguntamos ao Palma se ele poderia buscar as medalhas mais tarde. Depois de tudo acertado fomos para o museu encontrar os dois.
Na entrada do museu havia um piano, Lalá e eu tocamos o “BIFE”, o que logo alegrou o ambiente e chamou a atenção de quem estava no segundo andar. Conversei um pouco com a responsável pelo museu e pedi com muito jeito que ela abrisse uma vitrine de conchas onde havia uma vieira para que o Gilmar pudesse pegá-la nas mãos. Com a maior boa vontade ela a abriu e não só o deixou segurar a vieira como todas as outras conchas e cavalos- marinhos. Gilmar parecia uma criança de tanta felicidade, disse que era a primeira vez que tinha a oportunidade de tocar e sentir tais objetos. Eu fiquei com os olhos cheios d’água de ver sua alegria.
Dali nos dirigimo-nos para a saída da cidade. Antes porém, passamos em frente de uma lotérica e como o prêmio da mega-sena estava acumulado, resolvemos jogar em conjunto, com cada um chutando um número.
Seguimos em direção da saída da cidade, porém num determinado ponto, a sinalização não estava clara e dobramos a esquerda na rua da farmácia. Descemos a rua animadamente, fazendo os planos para a festa à noite. Aí não havia mais setas, estávamos perdidos. Perguntamos a um e a outro e ninguém sabia informar que direção devíamos seguir. Num determinado momento, um homem se aproximou e perguntou se éramos peregrinos do C. do Sol. Que pergunta! Estava na cara, ah, ah, ah! Disse que tinha feito o caminho e que deveríamos voltar ao cruzamento e pegar o asfalto.
Demos meia volta e logo paramos numa loja de balas e doces para nos abastecermos. O dono ficou tão encantado conosco que distribuiu balas a todos. Retornando para onde havia a última seta amarela, Gustavo avistou o asfalto e concluiu que poderíamos cortar caminho por umas ruelas para chegarmos mais rápido. O tempo estava fechando e via-se ao longe nuvens pretas e ameaçadoras se aproximando.
Quando entramos no asfalto surge uma senhora que nos para e convida para conhecermos seu bar. Uma verdadeira hospitaleira, Dona Ilka. Disse que recebe peregrinos que vão em direção a Pirapora do Bom Jesus. Dá-lhes o que comer, oferece dormida, e banho. Faz tudo apenas pelo prazer de ajudar ao próximo. Fez questão de mostrar a casa toda e depois nos serviu guaraná. Queria muito trabalhar com os peregrinos do caminho do Sol e conhecer um peregrino do caminho de Santiago foi uma benção para ela. Encheu-nos de perguntas. Tiramos fotos com ela e o marido Jarbas. Deixei uma mensagem em seu livro e prometi mandar-lhe meu livro e falar ao Palma do seu desejo. Resolvemos seguir adiante antes que a chuva nos pegasse. Ilkca afirmou que não ia chover. Chorei na despedida carinhosa. O caminho também estava me dando lições.
Voltamos ao asfalto e pegamos uma boa subida à frente. Atravessamos a rodovia e entramos por uma estrada de terra em meio a um extenso canavial. Aos poucos alguns raios de sol atravessaram as nuvens negras e clarearam o dia.
Com certeza, em virtude desta parada, deveríamos ser os últimos a chegar na fazenda Bianchini, que tem fama de receber muito bem os peregrinos. Acertamos na mosca, estavam lá apenas a Vó com Solange, Palma e Ro e a simpatissíssima dona da Usina e de um alambique. Mandou fazer mais esfirras quentinhas, salgadinhos, queijos e serviu uma branquinha. Até Vinho de Padre, o único que Lalá toma, havia sobre a mesa. Mas o melhor estava por vir, balas de côco que se desmanchavam na boca. As melhores que já comi.
Depois do delicioso lanche e de um bom descanço, nossa turminha se levantou e para variar a Vó e e Solange inventaram uma desculpa para ficarem por último. Gilmar, Lalá, Gustavo e eu confabulamos e decidimos que desta vez nós seriamos os últimos a chegar a Mombuca, custe o que custasse. Logo avistamos as duas se aproximando. Na primeira curva que apareceu nos escondemos atrás do canavial e ficamos esperando que nos ultrapassassem. Sol vinha cantando e a Vó no seu passo de tartaruga. Finalmente passaram por nós sem nos notar.
Para caminhar no ritmo da Vó tínhamos que fazer um esforço supremo. Algumas vezes nos aproximamos tanto que tínhamos que parar para que não ouvissem nossas risadas. Vez por outra nos escondíamos atrás de árvores para que não nos vissem. Estávamos agoniados para andar mais rápido, mas não queríamos dar o gostinho a Vó. Quando estávamos chegando a Mombuca passamos por uma loja de móveis rústicos e fomos surpreendidos pela Vó, que lá de dentro, observava a nossa passagem. Um ciclista, que também fazia o caminho, se aproximou e nós disfarçamos e engatamos uma conversa para que ela saísse na frente. Ela acabou indo e nós atrás.
Chegamos a um posto de gasolina e logo à frente havia um obelisco onde deveríamos dobrar a esquerda e chegar ao albergue. A Vó já tinha descoberto o nosso plano e decidiu que não ia dar mole o título de última. Sentou-se ao lado do obelisco e ficou nos esperando. Então entramos no posto. Eu fui ao banheiro e Lalá telefonar do orelhão. Nada da Vó se mexer do lugar. Gustavo precisava ir à farmácia então, em vez de dobrarmos, fomos em frente. Isso desconcertou a Vó que neste momento passou a nos seguir. Entramos na farmácia e ela não entregou os pontos, ficou de fora só esperando.
Quando vi que não havia jeito, disse que ir fazer as unhas num salão que tínhamos visto ao lado da farmacia. Aí ela desistiu! Propos um acordo. Entraríamos todos juntos. Seguimos até a entrada do albergue e os cinco ficaram alinhados na soleira com um pé levantado para entrarmos todos ao mesmo tempo. O que ela não contava, era que a turma a empurrasse contra a vontade para dentro, o que foi devidamente documentado com foto. Assim pela primeira vez, a Vó NÃO foi a última.
O Albergue é numa casa muito agradável com um único quarto na parte de baixo com colchões no chão e umas poucas camas beliches. Cli, que chegou primeiro com a Lolita, guardou lugar para Gustavo e eu. Luci, Fernando e sua filha Sara, nossos simpaticíssimos hospitaleiros, são peregrinos de Santiago e tem a casa toda decorada com motivos do Caminho.
A manicure, que não estava no salão, marcou para ir ao albergue uma hora depois. Era tempo mais que suficiente para um banho. As roupas não foram lavadas, pois as da véspera ainda continuavam úmidas. No meio desta função o Palma convocou a turma toda para um compromisso na câmara de vereadores onde seríamos recebidos pelo prefeito da cidade e assistiríamos a uma palestra sobre Tarsila do Amaral apresentada por sua sobrinha-neta.
Gustavo e eu chegamos muito atrasados para o encontro com o prefeito, que naquele momento fazia uma apresentação sobre o calendário lunar dos Maias, o que realmente não me interessou. A Palestra sobre Tarsila foi muito interessante, mas estávamos todos exaustos e famintos. Saímos da prefeitura direto para a mesa do jantar. A melhor comida até agora disparado. Peito de frango a milanesa recheado de queijo e presunto. ALELUIA!!!!! Pela primeira vez o frango não era aleijado. Em todas as outras vezes só havia coxa e entre-coxa.
Lalá e eu comemos rapidamente para podermos organizar a festinha de mais tarde. A friagem apertou e todo mundo queria ir para a cama. Convenci a turma que era importante estarmos juntos na reunião. Embora pequena, os peregrinos abarrotaram a sala de jantar, que era o único local fechado protegido do frio.
Lalá e eu abrimos a cerimônia com um discurso sobre a importância do caminho e das pessoas que mesmo com grandes dificuldades, insistiam em fazê-lo. Por isso queríamos homenagear estes perês que tão bem representavam o caminho do Sol. Foram agraciados com medalhas: Virgílio, Vó, Maciel, Gilmar e João Luis. A emoção correu solta, mas quando tudo parecia acabado, eu resolvi fazer uma surpresa a uma peregrina que além de muito fechada, estava se queixando do Caminho e questionava se iria continuar andando. Chegou a dizer que se o Caminho de Santiago fosse assim tão difícil, ela não o faria. Quando chamei Mara para se aproximar (foi içada pela janela pois estava fora da sala) e receber uma Cruz de São Francisco ela desabou no choro, ou melhor, desabamos. Com isso ela entendeu que o caminho era importante, mas a amizade e a solidariedade que nos unia era muito mais importante que tudo. Desse dia em diante se tornou mais, alegre aberta e participativa. O caminho dela estava começando ali, eu acho.
Dali a maioria foi dormir e Fernando foi fazer uma “queimada” (Bebida flambada com cachaça, açucar e outros ingredientes) que dizem afasta os maus espíritos. Gustavo e eu repetimos o ritual que Jesus Jato faz em Villafranca del Bierzo.
Ao entrarmos no quarto para dormir, acontecia a maior sinfonia de roncos que havia ouvido. Os que estavam acordados riam tão alto que não sei como não acordaram os roncadores. A situação só piorou mais um pouco depois que o Palma roncou em “dó maior”. Coitada da Rô, dorme como um passarinho! Dizem as más línguas que ronquei também. Se isso aconteceu, o espetáculo foi completo!
8º dia de Caminhada – 26 km – Mombuca – Clube Arapongas (Saltinhos)
Tomamos um ótimo café da manhã. Em seguida Luci, Fernando e Sara distribuiram saquinhos de lanche para o pessoal pois não havia cidades neste trecho.
Saímos todos juntos às 8 horas, por orientação do Palma para evitar problemas com a sinalização, pois o caminho de saída da cidade havia sido modificado. O grupo aos poucos foi se separando; Gustavo disparou com o Taio e eu fiquei com Maciel perna elétrica. Emprestei-lhe meu bastão retrátil para que experimentasse, já que não tinha levado o seu. Subimos o que o Palma chama de Cebreirinho, de onde tínhamos uma visão longínqua de Mombuca. Ainda pegamos muita lama apesar do lindo dia de sol. A primeira parada foi num bambuzal à beira de um lago. Palma, Rô, Araldo, Célia Gilmar e Lalá nos alcançaram. À medida que andávamos o grupo foi se separando.
Passamos por muitos canaviais e finalmente encontramos o asfalto. Pensamos que havíamos nos perdido, mas encontramos mais uma parte do pessoal. Resolvemos parar e descansar mais um pouco, mas Maciel seguiu em frente. Tirei as botas e passei um pouco de álcool de romeiro nos pés. Catei mais algumas pedras para a minha coleção. Nem sinal de Cli e Lolita, ficaram muito para trás. Enquanto estávamos sentados um carro parou ao nosso lado, Lucy e Sara saltaram dele e resolveram nos acompanhar a pé.
Descansados seguimos em frente. Logo saímos do asfalto e retornamos aos canaviais. Agora tínhamos uma guia e não precisamos nos preocupar com as flechas amarelas. Éramos apenas Gustavo, Luci, Sara e eu. Descobri que as duas também são loucas por pedras e daí em diante dediquei-me a catar pedras para o desespero do Gustavo que as carregava. Pouco olhei a paisagem até que chegamos a um pequeno bosque em meio a um canavial já cortado. Mais uma vez encontramos a turma descansando do sol forte.
Gustavo e eu seguimos sós e de mãos dadas o que faltava até Arapongas. Arapongas é uma escola desativada com colchões espalhados pelo chão das duas salas de aula. Conseguimos pegar um colchão de casal, bem ao lado do Palma e Rô. Este quarto foi denomidado de dos roncadores. A noite promete!! Cli e Lolita se instalaram no outro, por via das dúvidas. Araldo e Célia que chegam cedo conseguiram ficar sós num quarto que deveria ter sido a sala da diretora.
Chuveiros bons do lado de fora e toiletes do lado de dentro. Parte da roupa mais pesada e imunda, acumulada faz dias, finalmente foi mandada lavar na casa do hospitaleiro. Tomamos banho e lavamos o resto da roupa miuda que foi estendida na cerca da casa. O almoço foi servido no grande galpão acima da escola e não foi lá dessas coisas. Lingüiça muito gordurosa, arroz e feijão. Luci almoçou conosco e depois voltou para casa, esquecendo-se do novíssimo par de botas que estava amaciando na porta do refúgio. Como avisei quem era o dono, providenciaram a devolução.
Havia um campo de bocha e alguns ficaram lá jogando. O resto desceu para fazer a siesta. Lalá resolveu gozar o Virgílio, e este não gostou. Gerou um mal-estar geral, que graças a Deus foi rapidamente contornado. Quando escureceu armei o meu varal no quarto fazendo-o parecer uma favela. Por pouco não despencou na cabeça do Palma. Tomamos o resto do vinho que havia na mochila para esquentar. Quando tirei todas as pedras da mochila do Gustavo para uma verificação, foi outra gargalhada geral. Havia quilos delas.
Nosso celular não funcionava e por isso descemos até a casa do hospitaleiro para usar o telefone. Na volta nos dirigimos ao galpão para o jantar, onde o vento frio entrava por todos os lados. Se não fosse pela fumegante canja de galinha para nos esquentar teríamos congelado.
Antes que esfriasse de novo, voltei para o quarto e me enfiei no saco para dormir, não sem antes colocar os tampões nos ouvidos. Azar o meu, pois como fui a primeira a fazê-lo, alguns disseram que ronquei. A ida ao banheiro durante a noite foi penosa por causa do frio. Encontrei o marido da Bruna dormindo encolhido num sofá de dois lugares. No dia seguinte faríamos o trecho mais longo, 30 quilômetros.
Arapongas – Monte Branco – 30 km – 9º dia de Caminhada
Clinete pegou uma gripe e por causa da febre decidiu fazer de carona este trecho, o que para nós seria ótimo porque chegaria na frente e guardaria um lugar para nós em Monte Branco. Lolita se juntou a Gustavo e a mim para caminhar. Fazia um sol radiante mas, o frio perturbava um pouco no inicio da manhã.
Saímos às 7,30 da manhã, seguindo até o asfalto guiados por setas amarelas. Do outro lado da pista havia um bar-restaurante ainda fechado, que logo abriu para que tomássemos um café fresco. Fiquei sabendo pelo Palma, que o local planejado para ser nosso próximo pernoite havia mudado por motivos alheios à sua vontade e que téríamos que fazer mais 5 quilômetros até Floresta. Os hospitaleiros seriam os mesmos mas, o local não. Pediu-nos paciência e compreensão Avisei que não teria condições de fazer 35 km, ia ser mais que eu podia suportar. Depois de tantos caminhos, sei exatamente até onde exigir do meu corpo sem sofrer maiores consequências. Sabia que as bolhas seriam o mínimo. Ia precisar do apoio lá pelo quilômetro 25.
A paisagem mudou por completo neste dia. Atravessamos pequenas vilas, onde fiz lindas fotos de flores e casas antigas. Gustavo e eu diminuimos o nosso ritmo de caminhada e fizemos várias paradas para descanso. Atravessamos fazendas de gado com suas lindas e bem conservadas casas coloniais, porém alguns trechos da estrada que ainda eram um lamaçal quase intransponível. Ali surgiram algumas dúvidas na sinalização mas, Palma e Rô que vinham logo atrás, nos guiaram. Mara, identificada de longe por sua roupa camuflada, vinha só um pouco atrás de nós sozinha e sorridente, aparentando estar bastante feliz.
Uma placa curiosa no portão da Chácara N. S. Aparecida nos fez dar boas risadas;
” PERIGO, CUIDADO COM O MACACO “
Passamos por uma árvore altíssima que tinha uma enorne Costela-de-Adão presa ao seu tronco com suas raizes aéreas de metros de comprimento balançando ao sabor do vento.
Comecei a sentir dores fortídsimas nos dedos dos pés, como se fosse um estiramento de tendão. Diminui mais ainda minha velocidade, e acabei tendo que me sentar pra esperar ajuda. Onde estávamos, a estradinha de terra era muito ruim mas, parecia que passava carro. Como não aparecia ajuda, Gustavo decidiu ir em busca do apoio enquanto Lolita e eu nos instalamos na porteira de uma casa qua parecia abandonada.